Impactos da COVID-19 no comércio internacional
 
Impactos da Covid-19 no Comércio Internacional, nas cadeias globais e nas Relações Internacionais
 
Julho de 2020
 
A pandemia de Covid-19 impacta diretamente no comércio internacional, seja em seu fluxo, nas cadeias de suprimentos globais ou nas relações internacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) prevê uma queda de 27% no comércio internacional entre abril e junho de 2020. Somente em abril desse ano, o volume global de importações e exportações caiu 12% na comparação com março. Essa foi a maior queda desde 2000, ano em que os registros começaram a ser feitos pela ONU. Ainda segundo a própria ONU, a queda no comércio internacional vai depender não só das interrupções econômicas geradas pela pandemia, mas também do tipo das políticas que os países adotarão para reiniciar suas economias. Ainda há esperanças de que economias iniciem suas retomadas no segundo semestre e 2020 termine com uma queda de 12% no comércio internacional.
 
Em abril, até então o mês de práticas mais severas de isolamento, o transporte aéreo de cargas chegou a cair 50% na comparação com o mesmo mês em 2019, e 40% em relação a março de 2020. Para os voos comerciais, o cenário foi ainda pior. O número de voos reduziu 90% em relação ao mês anterior. E é muito raro que um avião seja embarcado somente com carga, sem passageiros. Portanto, em um primeiro momento, o frete subiu bastante. Para algumas cargas embarcadas da China para o Brasil pelo modal aéreo, o frete aumentou entre 50 e 200%. No modal rodoviário, a disponibilidade de frete chegou a cair quase 50% com o isolamento social de abril, e gerou um aumento de 10% em seu valor. O transporte marítimo, por sua vez, foi o que resistiu melhor, até mesmo pelo fato de que as cargas do agronegócio – mercado menos impactado – são embarcadas por esse modal. Em um primeiro momento, houve um certo receio de faltar contêiner para embarcar as cargas, e de fato algumas empresas tiveram dificuldades para conseguir reservas, mas como a demanda por vários produtos reduziu, os armadores conseguiram manter os embarques.
 
O turismo, a nível global, também sofreu duras consequências e deixou de faturar 1,2 trilhões de dólares com quatro meses de paralisação. Se o isolamento permanecer, esse valor poderá ser triplicado até o final do ano. É momento de se pensar em políticas e estratégias que possam fomentar a economia, em todos os setores. Sejam elas fomentos do governo à indústria, infraestrutura e turismo, reformas políticas e tributárias ou mesmo o estabelecimento de novos acordos comerciais.
 
E é justamente a partir de novos investimentos que o país passará a obter ganhos de competitividade no cenário internacional. A pandemia, junto à Guerra Comercial Estados Unidos e China, trouxe oportunidades para a expansão do agronegócio brasileiro. Contudo, ao mesmo tempo em que o país pôde ampliar suas vendas, esbarrou novamente na falta de infraestrutura para escoamento de produtos. A falta de infraestrutura em alguns portos brasileiros faz com que o escoamento de produtos se concentre sempre nos mesmos portos, o que gera acúmulo de cargas e atraso no carregamento. Além disso, a falta de integração entre ferrovias e rodovias também atrasa a entrega das cargas nos portos. Por fim, o pequeno produtor ainda é refém das grandes cooperativas exportadoras. Ou seja, há uma melhora relativa e pontual nas exportações. Enquanto não houver infraestrutura adequada, não haverá uma melhora substancial nos resultados.
 
Apesar disso, não foi somente o Brasil que sofreu com a pandemia. Países com infraestrutura adequada também sofreram consequências, como aconteceu com os Estados Unidos e a própria China. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) ilustram bem como as cadeias foram afetadas: No auge da pandemia na China, entre fevereiro e março, 75% das empresas americanas relataram problemas de fornecimento, 62% relataram atraso e, o mais assustador, 44% não possuíam plano alternativo. Nos Estados Unidos, 95% das máscaras cirúrgicas são provenientes da China. No Brasil, 43% dos insumos da indústria química são importados. Em relação aos fármacos, o percentual chega a 80%. E no auge da crise, os grandes produtores restringiram exportações por motivos de biossegurança – os países priorizaram seus habitantes. O que acontece, de fato, é que não somente a oferta e a demanda por produtos é afetada, mas também toda a logística de distribuição daquilo que ainda se tem oferta e demanda. Em virtude disso, a discussão entre as metodologias Just in Time e Just in Case volta à tona: é melhor trabalhar com estoque mínimo para conter custos ou prezar pela produção máxima e manutenção de estoque?
 
No campo das Relações Internacionais, a temática globalização é uma das principais pautas. Ela não acabou, mas está em xeque – não em xeque-mate. Alguns países já vêm adotando práticas protecionistas mais duras há um tempo, como é o caso atual dos Estados Unidos. Mas vários outros países, como o próprio Brasil, também adotam fortes práticas protecionistas. Basta impor altas taxas alfandegárias e controles mais severos sobre as importações, o que deixa o processo caro e demorado, e desestimula as compras internacionais. Portanto, a circulação de mercadorias, que cresceu muito em decorrência da globalização, ainda encontra obstáculos impostos pelos próprios países que facilitam o comércio.
 
Em virtude dessas práticas e do advento da pandemia, o Neoliberalismo voltou a ser questionado com bastante força pelos analistas internacionais. É possível enxergar que em situações de urgência, seja ela em termos de saúde ou de economia, uma auto regulação do mercado não é suficiente para suprir as necessidades da sociedade. E, assim, o Estado “reaparece” como figura fundamental para a sustentação econômica de um país. O próprio Estado sozinho provavelmente também não supriria as necessidades da sociedade. O que acontece, então, é uma participação mútua. O neoliberalismo passa a contar com maior intervenção do Estado em momentos como esse.
 
Frente a isso, muitos países já estão questionando e avaliando a possibilidade de investir na indústria local ou na possibilidade de oferecer benefícios financeiros e fiscais para trazer as indústrias internacionalizadas de volta para casa. Prática na qual o Japão está sendo pioneiro – os problemas na cadeia de suprimento reacenderam o debate sobre a necessidade de as empresas japonesas reduzirem a dependência da China. Mas apesar disso, o mundo vive, mesmo que paradoxalmente, um momento de facilitação comercial global, com simplificação de procedimentos burocráticos e de liberação de cargas. Portanto, há de se esperar para ver se o enfraquecimento da globalização será somente momentâneo.
 
Outro ponto na pauta internacional é a relação e a cooperação – ou falta dela – entre os países do Sul Global. A necessidade de ampliação da cooperação em termos de cooperação técnica, financeira e de gestão de crises está exacerbada. Os países desenvolvidos, além de terem condições financeiras melhores para enfrentar crises, possuem também mais facilidade e integração e econômica entre si. Existem uma série de Acordos comerciais, de cooperação técnica e de reconhecimento mútuo que permitem que esses países dialoguem e comercializem entre si de forma mais efetiva e dinâmica. Essa temática surge, ainda, em um contexto crítico do Mercosul, de esfriamento nas relações.
 
Somente o futuro nos dará resultados conclusivos e poderá atestar previsões. Enquanto isso, medidas paliativas são tomadas em todas as esferas sem a certeza se são as mais adequadas para o momento. Entretanto, sempre vivemos e agimos sem ter certeza sobre o que acarretará nossas tomadas de decisão. Devemos nos acostumar, por ora, com um mundo mais digitalizado, de menor interação social e com novos protocolos de saúde e higienização. Talvez tudo volte à normalidade de outrora, talvez não.